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Os dados não refletem os pedidos de socorro que nos chegam dia a dia e jamais vão alcançar a raiz do problema porque sempre são analisados sem levar em conta a conjuntura social, histórica e fática do problema.

por Emanuela Barros

Violência doméstica tem queda em Sorocaba, foi o que anunciou o Jornal Cruzeiro do Sul. Trabalhando há vinte anos com essa triste realidade confesso que seria a matéria pela qual ansiei ser a nossa realidade. Contudo, a experiência do dia a dia, não só como advogada voltada para a defesa da mulher, mas à frente do Conselho Municipal do Direitos da Mulher de Sorocaba, órgão fiscalizador das políticas públicas relativas ao direito da mulher em Sorocaba, posso garantir que infelizmente essa não é a realidade das mulheres de diferentes bairros que nos procuram durante a pandemia do Covid-19.

Os dados da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Sorocaba apontam uma redução de 63,34% nas ocorrências de violência doméstica na cidade entre os meses de março e abril de 2020, na comparação com o mesmo período do ano passado, enquanto as ocorrências de violência doméstica tiveram aumento de 44,9% em todo o Estado, no contexto da quarentena.

Os dados também apontam a diminuição de medidas protetivas de urgências concedidas, uma queda de 35,66%, comparados entre os meses de março a abril de 2020 com março a abril de 2019. Nesse ponto reside minha maior preocupação, porque os dados oficiais não traduzem a realidade levando em conta que a diminuição das ocorrências oficiais está ligada às subnotificações e à dificuldade de acesso das mulheres aos serviços públicos de denúncia e proteção, devido à redução dos atendimentos em função da pandemia.

Sem conseguir fazer a denúncia, a mulher fica vulnerável em casa podendo sofrer uma violência ainda mais agressiva e aí temos casos de feminicídios. Triste ver que a violência contra a mulher continua sendo tratada como mera estatística diante de dados que não refletem a realidade de mulheres invisibilizadas pela sua classe, raça, sexualidade. Os dados não refletem os pedidos de socorro que nos chegam dia a dia e jamais vão alcançar a raiz do problema porque sempre são analisados sem levar em conta a conjuntura social, histórica e fática do problema que está diretamente ligado aos discursos de opressão e subalternidade de gênero que culminam na cultura da violência e tornam o Brasil um país violento para as mulheres dentro e fora dos seus lares. Sorocaba infelizmente não foge a essa realidade.

Tenho dito e enaltecido a importância dos equipamento públicos de garantias e defesa a mulher em nosso município, participo ativamente de alguns deles e sei da sua importância, mas eles nesse momento de enfrentamento à pandemia do Coronavírus, funcionam de forma reduzida e com atendimentos por telefone ou on-line, dificultando o acesso pelas mulheres vítimas de violência na cidade, situação que por si só nos afasta de acreditar que o conjunto da atuação desses órgãos talvez possa ter contribuído para a redução dos números oficiais.

Fica evidente, portanto, que os números oficiais não traduzem a realidade das mulheres sorocabanas que sofrem com a problemática da violência, por isso seguimos atentas denunciando os casos existentes, as dificuldades das vítimas e acima de tudo, propondo e articulando políticas públicas que efetivamente respaldem as vítimas, pois junto com a mudança da cultura da violência, são elas que salvam vidas, não os dados.

Foto: Fábio Rogério / Arquivo Jornal Cruzeiro do Sul (27/4/2020)

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